Tempos obrigatórios para cada disciplina vão ser revistos. Português e Matemática podem perder para as ciências sociais ou para Educação Física. Escolas vão ter de definir projetos que envolvam várias cadeiras
Publicado em Jornal Expresso, a 18 de Fevereiro de 2017, página 24
Isabel Leiria | ileiria@expresso.impresa.pt
As dez competências-chave que todos os alunos devem ter adquirido ao fim de 12 anos de ensino estão apresentadas — o documento Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória foi divulgado no passado sábado e está agora em consulta pública —, mas há mais mudanças a serem preparadas pelo Ministério da Educação. Os tempos para as diferentes disciplinas vão ser redistribuídos, há áreas que vão regressar ao currículo e as escolas vão ter de definir projetos interdisciplinares, adianta ao Expresso o secretário de Estado da Educação, João Costa.
Porque num mundo em “constante e rápida mudança” pede-se à escola mais do que a simples transmissão de conhecimentos, defende.
Uma das novidades traduz-se na recuperação dos temas da cidadania. A área de Formação Cívica foi introduzida em 2001, mas desapareceu na última revisão curricular, em 2012, era então ministro Nuno Crato. “Há quem considere que não compete à escola fazer educação para a cidadania. Que a escola serve para ensinar a ler, escrever e contar, no fundo o princípio back to basics do anterior Governo. Nós consideramos que todo o desenvolvimento científico e tecnológico que tem ocorrido não chega se não tiver uma base humanista. Basta olhar para o mundo à nossa volta. E essa desenvolve-se integrando estas dimensões na escola”, defende João Costa, lembrando que, por vezes, este é mesmo o único espaço onde os alunos podem aceder à informação e até aos “afetos”.
A forma como a educação para a cidadania vai ser trabalhada nas escolas (em que anos e com que tempo) está ainda a ser preparada com a secretaria de Estado para a Igualdade. “Neste momento é algo que se faz nas escolas de forma voluntária. Mas para nós é evidente que o horário (dos alunos) tem de a contemplar. Se não, não vai acontecer”, adianta João Costa, garantindo que os “erros do passado” serão corrigidos. “A Formação Cívica (introduzida pela então secretária de Estado da Educação Ana Benavente) transformou-se muitas vezes na hora que o diretor de turma tinha para resolver problemas com os alunos; não havia os referenciais que temos hoje; não havia formação”, aponta.
Atualmente existem referenciais e orientações para a educação financeira, para os media, a segurança e a defesa, o desenvolvimento, a saúde, do consumidor. A lista não é exaustiva. Outro regresso anunciado, as que se pretende que seja feito em moldes diferentes, prende-se com uma espécie de nova área de projeto. A definição do que será feito nesse espaço será da responsabilidade de cada escola, dentro do já anunciado tempo que terão para gerir por sua conta e das grandes linhas definidas pela tutela.
Avaliar além dos testes
“As escolas serão convidadas a pegar em 25% do total das horas curriculares e construir projetos interdisciplinares, que impliquem um trabalho articulado entre professores e conteúdos de diferentes disciplinas. Mas sempre com um objetivo em mente: aprofundar as matérias do currículo. Fizeram-se trabalhos muitos bons em Área de Projeto, mas correu mal em muitas escolas porque não foi plenamente assumida como curricular, não contava para a nota final e acabou por ser desvalorizada”, recorda o governante.
A ideia agora é que estes projetos se materializem em atividades e tempos para aprender tão importantes como as aulas tradicionais, sujeitos a uma avaliação tão válida quanto um teste escrito. “Os testes são instrumentos de avaliação muito importantes, mas não podem ser os únicos”, defende, lembrando que muitas vezes os alunos aprendem mais nos clubes e projetos como o Ciência na Escolas, do que nos tempos curriculares. E se assim é, conclui, é preciso “puxar estas atividades para dentro do currículo.” Um exemplo: “No 8º ano posso ter um projeto de História da Ciência, em que aprofundo o Renascimento e cruzo com as descobertas científicas da altura.” O que não pode acontecer, acrescenta, é ter responsáveis do ensino superior a queixarem-se que os estudantes chegam lá sem saberem fazer uma apresentação oral ou um trabalho de pesquisa.
Emagrecer o currículo
Problema: se os alunos vão passar a ter tempo para desenvolver estes projetos interdisciplinares e se a ideia não é aumentar a carga horária global, que tempo sobra para as atuais disciplinas? E aqui chegamos à peça do puzzle mais complexa e provavelmente mais polémica — a definição do que serão as “aprendizagens essenciais” em cada disciplina e o tempo que será atribuído a cada uma.
“Tenho de emagrecer o currículo atual e fazer um reequilíbrio entre áreas”, assume João Costa. Até porque neste momento algumas estão “descalças”. “História e Geografia têm muito poucas horas; a Educação Física, se a aula tiver 45 minutos, entre despir e vestir, o tempo útil reduz-se a 15 minutos.” Significa isso que, desta vez, serão a Matemática e o Português os prejudicados, já que têm mais tempo atribuído? Algumas terão de perder”, responde por agora.
Outra parte do trabalho tem a ver com a identificação, a partir dos programas em vigor, dos conteúdos essenciais, ou seja, a base comum que tem de ser seguida por todas as escolas, mas que cada uma poderá aprofundar como entender. E tendo também em vista as tais competências que se espera que um aluno desenvolva na escola. O perfil à saída do ensino obrigatório — representado nesta página com a imagem simbólica do homem vitruviano e das suas proporções perfeitas, desenhado por Leonardo da Vinci —, foi definido por um grupo de trabalho presidido pelo ex-ministro da Educação Guilherme d’Oliveira Martins.
Mas João Costa sabe que o puzzle só fica completo com uma mudança no trabalho das escolas e dos professores. “Implica novos projetos de escola, de turma e uma outra planificação das atividades letivas. Mas já reuni com mais de 50 conselhos pedagógicos e as reações têm sido muito boas”, garante.