Por: Cristina Maria Santos
– A sua família abandonou-o, mas diz que isso foi a melhor coisa que lhe podia ter acontecido. Porquê?
Porque me criou autonomia de decisão em tempo real, um imperativo para o “just-in-time” que impus à minha vida empresarial.
– Já lhe perdoou ou continua a dar ordens para que, se for primeiro, não possam ir ao seu funeral?
Sou um fervoroso defensor dos valores e princípios cristãos. No meu livro digo: Enobrece a família mesmo ofendido.
– De latoeiro passou a líder no setor de embalagens de produtos alimentares, com a empresa que fundou em Vale de Cambra – Colep. Foi a autonomia a palavra de ordem para a evolução?
Sem dúvida. A autonomia permitiu-me, sem perdas de tempo, decidir os projetos em que eu acreditava. A liderança exige velocidade superior à concorrência e foi isso que fiz.
– 50 anos passaram desde a fundação desta empresa no Concelho. Considera que Vale de Cambra se encontra agora melhor preparado para fixar empresas?
É óbvio que as condições de contexto em que iniciei a Colep são hoje notável e incomparavelmente melhores. Contudo, considero que, infelizmente, Vale de Cambra agora não tem as mesmas condições que os concelhos vizinhos para fixar empresas.
– Já foi definido como caçador de sonhos. Mas um dos seus sonhos foi ceifado em 1990 com a morte do seu continuador. Quem foi Ilídio Pedro? Que sonhos tinha com e para ele?
Ilídio Pedro estava a meses de se licenciar numa Universidade Americana na Suíça em Gestão Internacional. Era considerado com qualidades natas para ser empresário. Era um líder e só falava quando tinha algo a acrescentar. Era, sem dúvida, o meu sucessor.
– Depois de o perder, deixou de pensar em proveito próprio para se dedicar à missão pública. Em sua homenagem criou a Fundação Ilídio Pinho. Com ela, tem conseguido o ser útil à sociedade?
A Fundação Ilídio Pinho, à qual doei 50 milhões de euros, foi criada em memória do Ilídio Pedro, com a missão “ A Ciência ao Serviço do Desenvolvimento e da Humanização”.
Assim tem sido. É minha convicção que a Fundação muito tem ajudado Portugal: nas artes, na formação universitária de alunos com bolsas empréstimo, em cátedras e projetos de investigação científica nas Universidades e no apoio a projetos de utilidade pública desde Vale de Cambra, a todo o Portugal, Angola e Moçambique.
Agora está centrada no projeto Ciência na Escola, que promove “uma nova cultura científica escolar”. O objetivo para este ano, o 13º, é a criação de 1000 ideias e projetos inovadores em todas as escolas, nomeadamente Açores e Madeira.
Estima-se 6 milhões de horas de trabalho inovador e o envolvimento de 120.000 alunos e professores. A Fundação oferece em prémios 350.000 Euros, de um investimento total de 500.000 Euros. Estão também criadas as condições institucionais em parceria com os Ministérios da Educação e da Economia, para que os professores possam ser empresários do conhecimento e as Escolas os motores da sociedade civil.
É, no meu entendimento, o projeto pró-dinâmico estrutural mais importante que está em desenvolvimento no nosso País. Sem formação científica nas escolas, Portugal nunca terá sucesso como país desenvolvido.
– Esta Fundação, que, creio, era para ter sido construída em Vale de Cambra, tem sido motora da ciência e inovação escolar. Considera ser a formação na tecnologia, o motor do desenvolvimento económico-social do País?
Sem dúvida. A Ciência é o futuro e quem não a dominar atrasar-se-á irremediavelmente.
Custa-me dizê-lo, mas é isso que está a acontecer em Vale de Cambra. As empresas, cada vez mais têm que importar os seus técnicos de outros concelhos, pagar mais, menos horas de trabalho e, um dia, esses técnicos serão seus potenciais concorrentes.
É minha convicção que, ou Vale de Cambra dá prioridade à formação científica de que precisa urgentemente, ou as suas empresas a seu tempo irão ter dificuldades insuperáveis.
– Costuma dizer que, para se saber o que Portugal precisa, é preciso conhecer o mundo. Quem considera ser o mais “viajado” para governar o País, nos próximos anos?
A única coisa que posso dizer neste momento é que Portugal está longe de ter os seus problemas resolvidos. Luta com enormes dificuldades orçamentais e estruturais para evitar mais sacrifícios sociais.
Salvador Dali dizia: “Não te preocupes com a perfeição porque ela não existe.”
O Governo liderado por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, também não foi perfeito, como qualquer outro também não seria, mas conseguiu recuperar a confiança da Europa e dos mercados internacionais. Mudar de governantes agora, poderá fazer cair a confiança que tanto custou a todos os Portugueses.
É minha convicção que, pela sua história, Portugal tem condições para ser um País estratégico para a Europa e para o mundo, afirmando-se como uma plataforma de penetração económica intercontinental, criando emprego e beneficiando o nível e qualidade de vida dos Portugueses.
Mas isso exige investimento estrangeiro intenso, que sem condições políticas de elevada confiança, não virá seguramente.
O futuro de Portugal, sem confiança política, poderá continuar a ser um produtor de criados e criadas para a Europa e para o Mundo.
– E nosso Concelho? Até onde devem ir os nossos governantes para saber o que Vale de Cambra precisa?
Não é assim. A pergunta deve ser feita de outro modo:
O que é que têm de fazer e até onde deverão ir os governantes e forças vivas do nosso concelho para dar a Vale de Cambra o que precisa?
– Diz que nunca se reformará e que quer continuar ocupado na missão da utilidade pública. Pode, algum dia, Vale de Cambra contar consigo para liderar os destinos do Concelho?
Tenho a consciência de que ofereci a Vale de Cambra a Colep, que é hoje a maior empresa do setor na Europa e também outras empresas. Fui 5 anos presidente do Conselho Municipal e 4 anos Presidente da Assembleia Municipal, entre outras coisas.
Enquanto Presidente da Assembleia Municipal, ofereci ao Conselho 300.000 contos, o que seria hoje mais de 2,5 milhões de Euros, mas ao longo da minha vida foi muito mais do que isso.
Nesse meu mandato, quando disse que se iria fazer mais em 4 anos do que em 40 anos, há que destacar o Dr. António Fonseca, como notável Presidente da Câmara, que soube aproveitar a minha parceria, para fazer aquilo que nunca tinha sido conseguido “até noutros concelhos vizinhos”. Conseguiu-se do Estado 14 milhões de contos para obras: em estradas, saneamento básico, piscinas, pavilhão gimnodesportivo, avenidas, zona-industrial do rossio, biblioteca, palácio de justiça, escola tecnológica, centro coordenador de transportes, hospital centro de saúde, etc., etc.
Amo profundamente a minha terra e continuo atento, ao ponto da Fundação Ilídio Pinho, ter oferecido à Câmara Municipal, com a participação do Presidente José Pinheiro, o Plano Estratégico para o Concelho.
Tenho a consciência tranquila de que, se eu não tivesse nascido, haviam coisas de elevado interesse que não teriam acontecido, nacional e internacionalmente.
“Sou mesmo português” e orgulho-me de ser de Vale de Cambra.
– Aos políticos diz nunca ter pedido para si, mas sempre para o País, região e para a sua terra. O que falta pedir para Vale de Cambra?
Que Vale de Cambra se transforme no Cluster da tecnologia Cientifica de Portugal e que tenha assistência à saúde, à justiça e à formação educativa e técnica, aquilo a que os seus residentes têm direito e perderam.
Em consequência, está a desertificar-se, o que é gravíssimo. Mais do que nunca, impõe-se a Vale de Cambra uma dinâmica autárquica verdadeiramente empresarial com estratégia e projeto. Só assim se pode pedir e conseguir o apoio dos políticos.
– Como acha que as pessoas em Vale de Cambra o veem? Como gostaria que o vissem?
É curioso porque por vezes, quando acredito e gosto, ofereço até demais e temem-me por isso…
Outras vezes gostam de mim, porque quando não acredito e não gosto, não ofereço nada…
Que me vejam como um filho de Vale de Cambra, onde quero que as minhas cinzas repousem quando chegar a minha vez, um humanista, sensível acima de tudo ao sentido de utilidade e dignificação humana.
– A sua família esteve na origem do desenvolvimento industrial do Concelho, mas também do País. Acha que isso é hoje reconhecido pelos valecambrenses e pelos portugueses?
Acho que sim.
– Não quis que morressem consigo as experiências que viveu até aqui. Ficou algo por dizer na biografia recentemente lançada: “Ilídio Pinho – Uma Vida – o empresário e a utilidade pública”?
Sem dúvida que haveria muito mais para dizer. Contudo, nas circunstâncias, o essencial foi transmitido.
Passei a minha experiência a escrito, porque penso que é a melhor herança que posso deixar a quem me sucede, para que possam fazer mais e melhor do que eu.
O dinheiro e os valores materiais são por empréstimo e fica cá tudo.
A memória, essa sim, essa é que importa e permanece, quando somos defensores de causas e temos sentido de missão.
– Pode dizer-se que este livro é um guia para candidatos a empresários? Qual o conselho que daria a um jovem empreendedor que se queira lançar num negócio?
O livro foi escrito com o sentido pedagógico que se pretendia dirigido às Universidades. O percurso da minha vida com casos que se anteciparam décadas às doutrinas paradigmáticas de ilustres experts mundiais, suporta perfeitamente cátedras empresariais. Era esse o objetivo e conseguiu-se!
Ao jovem empreendedor digo: que acredite nele e quando não puder fazer o que quer, que faça o que pode, mas que faça!
– O lançamento do seu livro foi um acontecimento nacional. Estiveram presentes entre outros, políticos e a elite da economia portuguesa. Porque acha que consegue captar tanta atenção?
Porque como empresário, procuro acima de tudo ter uma ideia para a minha terra e para o meu país a quem sempre quis e quero ser útil.